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ANO 40
Nº 2010
11/03/2024


Colunista
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GENTE PENSANTE - 06/08/2020

O editor GP escreve mais uma crônica: Será que a arrogância dos intolerantes é cobrada, nesta vida?

VEJA NA EDIÇÃO 1827: NAS BANCAS DE 07/08 A 13/08.

Veja também a crônica deste mesmo colunista da edição 1826 abaixo: 

UMA HERANÇA EM QUE AS INESQUECÍVEIS LEMBRANÇAS FALAM MAIS ALTO QUE AS CIFRAS

Quando o amante das letras entrou pela 1ª vez na casa da falecida irmã solteira, ele estava verdadeiramente assombrado. Pelos cantos dos olhos, hora um, hora outro, ele via vultos voando velozes de um cômodo da casa para o outro. Arrepiou-se todo, mas continuou a caminhar. Não teve força suficiente para entrar no quarto, onde ela passou os últimos dias de sua longa e tão resignada enfermidade. Estava ali para, talvez, requerer algum pertence que estavam sendo divididos entre os irmãos. Nada das coisas de razoável valor lhe interessou. Pegou para ele alguns vasos de plantas ressecados e outras titicas. No quintal, aquele homem viu algo que fez estremecer o seu coração: uma caveira de um animal silvestre com os olhos substituídos por grandes bolas de gude azuis. Aquela peça carunchada lhe interessou e a pegou para uma possível recuperação. Ao chegar em casa a sua família achou de muito mal gosto aquela escolha. Ele disse:

- Isso é a memória viva do meu pai. Vou colocar juntamente com as coisas antigas que ele me deu.

Porém, nem ele imaginava a força viva que aquela caveira carregava. Ao colocá-la em um prego na varanda interna da sua casa, sua mente vou longe ao velho casarão da fazenda dos pais, de altas paredes caiadas de branco, com as partes inferiores respingadas de barro pela água da chuva que caía do telhado, fazendo pequenos buracos no chão de terra vermelha. Viu, como se ainda existissem, os desbotados janelões azuis com tramela. Chegou a escutar o barulho dos pés das pessoas de toda a sua família pisando no velho assoalho de tábuas largas com grandes e assustadoras frestas. Visualizou o fogão de lenha com a negra e velha chaleira de ferro, sempre com água fervente. No telhado escurecido pela fumaça constante, enormes e engorduradas teias de aranha e olhos brilhantes de gatos. Lá fora, a bica de água limpa caindo sem trégua com seu barulho sonífero. Era ali que os panelões da cozinha sempre eram areiados, antes de receberem a bucha natural com sabão feito com usada gordura de porco. Quando a noite caía, o cheiro de querosene das muitas lamparinas invadiam todos os cômodos, iluminando o centenário casarão. Ao deitar, sempre antes das 22 horas, tinha início uma sinfonia de ratos correndo pelo forro de bambus trançados, perseguidos pelos gatos. Lá fora, os cães ladravam demoradamente, como lobos flertando com a sempre bela e clara lua. Ali, os sonos sempre profundos só eram interrompidos com os afinados, porém estridentes, quiquiriquis dos galos, anunciando o despertar da luz calorosa do sol.

E você, acha que existe herança maior que aquela que se agarra, como uma trepadeira hera, em nossos corações? Uma boa leitura!

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